“Eu quero e penso uma cidade que seja inovadora, não só no seu desenho, mas que seja uma cidade mais humana e mais inclusiva. Uma cidade que vai fortalecer os saberes culturais das pessoas idosas, que vai oportunizar esse protagonismo da população 60+ na gestão ativa de Belo Horizonte. E, aí sim, a gente vai ser cada vez mais participativo, mais plural com todas as idades. Porque uma cidade amiga das pessoas idosas é uma cidade amiga de todas as idades, é uma cidade mais feliz.” - Renata Martins
Por: Sofia Fuscaldi
Renata Martins Costa de Moura é Diretora de Políticas para a Pessoa Idosa da Prefeitura de Belo Horizonte e Vice-presidente do Conselho Municipal da Pessoa Idosa. Ela trabalha há 25 anos com a Política da Pessoa Idosa em BH, além de ministrar aulas sobre Acessibilidade e Adaptação Ambiental para Pessoas Idosas no curso de Gerontologia da PUC Minas. Com formação na área de Administração Pública Municipal, Renata Martins sonha e trabalha por uma cidade que seja amiga da pessoa idosa.
“BH precisa ser uma cidade que vai estimular o envelhecimento ativo, que vai otimizar oportunidades de garantia de saúde, de segurança e de participação, para que a qualidade de vida possa ir aumentando à medida que as pessoas envelhecem, e não ao contrário”
Em 1999, a Câmara Municipal de Belo Horizonte instituiu a Política Municipal da Pessoa Idosa, que tem por objetivo “gerar condições para a proteção e a promoção da autonomia, da integração e da participação efetiva do idoso na sociedade” (Art. 1º da Lei 7930/99). A Diretoria de Políticas para a Pessoa Idosa (DPEI), na qual a Renata trabalha, tem por competência a implantação dessa política. Assim, a sessão “Com a Fala Quem” desta edição tem a honra de ouvir quem ajuda a elaborar e coordenar as diretrizes para efetivação da Lei 7.930. Confira aqui nossa entrevista especial com Renata Martins:
Valor Compartilhado: Como a cidade está envolvida na Política da Pessoa Idosa?
Renata Martins: Globalmente, a proporção de pessoas acima de 60 anos vêm crescendo mais rapidamente que outras faixas etárias. Em 2020, a UFMG nos apresentou, em uma das plenárias do Conselho Municipal do Idoso, dados muito significativos: quase 24% das pessoas que moram em Belo Horizonte têm mais de 60 anos e a projeção para 2030 é de que esse número ultrapasse 30%. Essa tendência traz a necessidade de uma análise das políticas públicas, porque o fenômeno do envelhecimento populacional gera muitas preocupações, principalmente com as condições para a manutenção da qualidade de vida das pessoas idosas e da garantia de direitos.
Em Belo Horizonte, a gente tem procurado promover e, principalmente, potencializar ações de valorização, de respeito e de cuidado com as pessoas idosas, para um envelhecimento digno e saudável. Aqui na Diretoria de Políticas para Pessoa Idosa, nós temos um lema que trabalhamos em todas as nossas frentes: acreditamos numa política bem construída, que seja voltada para as pessoas idosas, e que ela não se faça somente para as pessoas idosas, e sim, com a participação das pessoas idosas.
A pandemia de Covid-19 trouxe sinais de alerta, ela coloca um holofote nas questões do envelhecimento. Durante o período de pandemia, tivemos muitas ações para nos aproximarmos das pessoas idosas e começamos a caminhada para a construção do primeiro Plano Municipal do Envelhecimento de Belo Horizonte. A cidade ainda não tem um Plano Municipal que direcione suas políticas, e a gente precisava desse Plano. Então, durante o período de pandemia, começamos a trabalhar nessas temáticas para referendar as questões de envelhecimento. Também criamos o Boletim Informativo: um material divulgado periodicamente na cidade, chamado Envelhecer em BH, onde a gente compartilha com as pessoas idosas e com o cidadão as questões que estão sendo trabalhadas aqui em Belo Horizonte.
Outra coisa que vale a pena destacar é a criação do primeiro Grupo de Convivência de pessoas idosas realizado de forma online. Em Belo Horizonte, não só na Diretoria, todas as políticas públicas tiveram essa preocupação de transformar as suas ofertas em formatos remotos. Então, Grupos de Convivência, Centros de Referência da Pessoa Idosa (CRPI) e ILPIs começaram a receber conteúdos de forma virtual, para que não houvesse um distanciamento muito grande.
Temos também duas ações muito importantes: o Outubro Prateado, um mês inteiro dedicado a valorizar as pessoas idosas e a dar mais visibilidade para as ações que o governo tem feito nesse sentido, e o Junho Violeta, uma campanha de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. Vale lembrar que criamos um protocolo com toda a rede de proteção para atender às denúncias, chamado Disque 100, construído e pactuado com a rede de proteção que atua no município. Ele é muito importante para esse trabalho contínuo de enfrentamento à violência. Além disso, temos diversas parcerias com as Organizações da Sociedade Civil, buscando fazer o que é a missão da Diretoria: fortalecer e promover o protagonismo das pessoas idosas de Belo Horizonte.
VC: Como a prefeitura percebe o protagonismo da pessoa idosa na construção da cidade?
RM: A Diretoria, assim como toda a Prefeitura de Belo Horizonte, acredita que a participação da Sociedade Civil, como esse instrumento para fiscalizar e monitorar as políticas públicas, precisa ser incentivada cada vez mais, pois é isso que vai reconhecer que a pessoa idosa é sim um cidadão de direitos.
Temos um exemplo muito potente na cidade, que é o Fórum de Direitos da Pessoa Idosa; um espaço coordenado pela DPEI com a participação das nove Regionais e das diversas Secretarias - de Cultura, Saúde, Educação, Esporte - um espaço de formação e também de debate, onde a gente incentiva a participação das pessoas idosas que estão espalhadas pela cidade, pelos Grupos de Convivência, nas ILPIs, estudantes da área, profissionais que já se formaram… Todas as pessoas que estão interessadas na temática estão presentes nessa Agenda Pública. No Fórum, a gente consegue definir prioridades, não só na área de cidadania, que é onde a Diretoria está, mas nas diversas outras áreas do município.
Além disso, a gente não pode esquecer que Belo Horizonte tem o Conselho Municipal da Pessoa Idosa (CMI/BH), que é um órgão de Controle Social. É uma instância deliberativa e paritária que existe na cidade desde 1992. Eu vejo o Conselho como um impulsionador do comprometimento permanente das ações governamentais e não governamentais para o envelhecimento. A participação das pessoas idosas na estruturação e na condução dos trabalhos do Conselho é fundamental. A gente sabe que, valorizando as pessoas idosas, trabalhando essa política juntos, a gente vai produzir e colaborar com uma sociedade mais integrada.
VC: Como se dá o repasse de recursos via Conselho em BH? Quais os diferenciais?
RM: O CMI se encontra dentro da estrutura da própria Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (SMASAC), à qual a DPEI está vinculada. Esses dois órgãos vêm trabalhando, nos últimos anos, para que os repasses às Organizações da Sociedade Civil tornem-se mais ágeis. A gente tem trabalhado para que o dinheiro possa sair e chegar a quem deve, que são as organizações, para que elas façam a distribuição dos recursos junto aos projetos aprovados no Conselho.
Com a chegada do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), a gente começou a fazer essa gestão pública democrática que valoriza as Organizações da Sociedade Civil como parceiras do Estado para a garantia de direitos. Essas parcerias entre o Estado e as Organizações da Sociedade Civil é que vão qualificar a Política Pública. A gente vai conseguir se aproximar das pessoas e da realidade local, possibilitando uma solução de problemas, quer sejam eles sociais ou específicos, de uma maneira muito criativa e inovadora.
O Plano de Aplicação do Fundo Municipal do Idoso é a programação da distribuição desses recursos, para que as áreas consideradas prioritárias pelos Conselheiros do CMI sejam definidas de forma consciente. Assim, o Fundo Municipal do Idoso de Belo Horizonte tem uma captação de recursos muito forte. Em termos de Brasil, Belo Horizonte é reconhecida por isso.
Aqui na cidade, temos um Edital de Chamamento Público diferenciado. Nessa última gestão, optamos por fazer um edital aberto com várias entradas. Com isso, as empresas se sentem mais seguras, sabendo que em Belo Horizonte tem um edital único com as datas onde será possível fazer a destinação já definidas.
Outro diferencial é a seriedade com que o Conselho Municipal trata esses repasses, desde o chamamento até a seleção dos projetos, que estão de acordo com as diretrizes que os Conselheiros aprovaram. Não existe uma coisa só, é um conjunto que faz com que Belo Horizonte seja reconhecida, que o Fundo Municipal do Idoso e o Conselho sejam fortalecidos, sejam sérios e que priorizem os projetos e o benefício que a pessoa idosa vai ter lá na frente.
VC: BH é uma cidade onde o acolhimento de pessoas idosas em ILPIs é feito por meio de parceria com o terceiro setor. Quais outras políticas podem se beneficiar desse modelo de execução?
RM: Além das Instituições de Longa Permanência, a gente também tem parceria com os Grupos de Convivência de pessoas idosas. A cidade hoje tem cerca de 100 Grupos de Convivência espalhados nas nove Regionais. Desse total, 27 Grupos são parceirizados diretamente com a Diretoria.
Além das ILPIs e dos Grupos, o Conselho Municipal do Idoso é o grande fomentador dessas parcerias. A gente tem diversas Organizações da Sociedade Civil na cidade que estão diretamente parceirizadas com o Conselho e ofertam projetos que beneficiam diretamente a população 60+.
VC: Existe participação das ILPIs privadas na construção da política pública para a pessoa idosa?
RM: É muito importante que as ILPIs privadas se cadastrem no Conselho, mesmo não sendo de acolhimento socioassistencial com parceria com a Prefeitura de BH, porque a parceirização se dá por critérios, ela tem que estar de acordo com a política de acolhimento. Mas, mesmo assim, são instituições que prestam um serviço direcionado à pessoa idosa no município de Belo Horizonte e, de acordo com o próprio Estatuto da Pessoa Idosa, elas precisam estar cadastradas no Conselho. Então, o Conselho tem feito ações para incentivar, não só o cadastramento, mas também para orientar essas instituições da importância de participarem da política pública, participarem de uma plenária do Conselho, do Fórum de Direitos da Pessoa Idosa e da própria formulação das políticas públicas do município.
VC: Como incentivar mais parcerias em prol da pessoa idosa no município?
Aqui em Belo Horizonte, a gente tem o Conselho Municipal de Fomento e Colaboração de Belo Horizonte (CONFOCO/BH), um órgão colegiado criado em 2017 que, assim como o Conselho, é deliberativo e paritário, ou seja, tem participação da Sociedade Civil e do Governo. O CONFOCO é um órgão consultivo, como se fosse uma assessoria permanente, com o objetivo de apoiar as políticas e ações voltadas para o fortalecimento das parcerias com as Organizações da Sociedade Civil, baseado na Lei Federal 13.019/2014.
Entre as competências do CONFOCO, está, além de fomentar novas parcerias, o monitoramento e avaliação dessa política de fomento, de colaboração, de cooperação que o município tem com a sociedade civil. Esse é o órgão que vai identificar, sistematizar e divulgar as boas práticas. Ao mesmo tempo, ele também vai mapear se existe alguma irregularidade na gestão das parcerias, vai promover estudos para ver onde a participação social precisa estar mais presente.
O CONFOCO faz com que novas parcerias com terceiro setor sejam incentivadas e possam ser ampliadas, para que não fiquem só nas ILPIs e Grupos de Convivência, que são os mais conhecidos, mas que a gente tenha um terceiro setor forte no apoio às políticas públicas.
VC: Quais as metas para mobilidade da pessoa idosa no município?
RM: Belo Horizonte tem um Plano de Mobilidade Urbana que foi amplamente discutido na cidade e já tem garantido a efetivação de diversas ações. O primeiro passo é a gente conscientizar a população da cidade sobre esse direito, não só o direito de ir e vir, mas o direito de priorizar as pessoas idosas. E, depois, a gente precisa garantir a acessibilidade integral: ter transporte público de qualidade, melhoria nas estações e nos pontos de ônibus, que as travessias de pedestre sejam priorizadas, que o caminhar na cidade seja prioridade, porque para caminharmos a pé nas calçadas, elas têm que ter condições de segurança, estarem bem conservadas. Eu acredito que, para que a gente possa alcançar essas metas que o próprio Plano de Mobilidade já colocou, já pactuou, a gente precisa ter a questão do respeito em primeiro lugar.
VC: O que é a estratégia da Cidade Amiga da Pessoa Idosa?
RM: Esse é um grande sonho meu. Há alguns anos, eu já vinha tentando colocar em Belo Horizonte essa questão de tornar a cidade uma cidade amiga da pessoa idosa. Em 2020, tivemos um diferencial: o prefeito fez a adesão à Estratégia Brasil Amigo da Pessoa Idosa (EBAPI). Essa Estratégia destina-se a incentivar as cidades a promoverem ações de caráter intersetorial e também interinstitucional para efetivar a Política Nacional da Pessoa Idosa e o Estatuto da Pessoa Idosa. Tudo isso para garantir que o envelhecimento seja saudável, digno, ativo e sustentável.
A EBAPI foi constituída levando em consideração as metodologias da Organização Mundial da Saúde (OMS). Quando os municípios aderem à Estratégia Brasil Amigo da Pessoa Idosa, isso significa que o município assumiu o compromisso de garantir o direito das pessoas idosas e desenvolver ações que sejam voltadas, principalmente, para pessoas com mais de 60 anos, mas, ao mesmo tempo, a gente também tem que preparar para que as pessoas cheguem aos 60, então o EBAPI é amplo, e estamos trabalhando essa concepção no Plano Municipal do Envelhecimento. O Plano Municipal é um instrumento muito potente para a construção de políticas públicas participativas. Se a gente tem política pública bem planejada com participação das pessoas que vão ser impactadas por essa política, a gente tem muito mais chance de ser efetivo naquilo que a gente se propõe.
Ainda estamos na primeira etapa, que é a etapa de construção do Plano. A partir do momento que a gente constrói esse plano, com todas as políticas envolvidas, é que a gente começa a dar corpo para essa cidade amiga da pessoa idosa, porque ali que vão estar definidos os compromissos de cada área.
Belo Horizonte nunca teve um plano que direcionasse a política das pessoas idosas, então isso precisa ser construído com muito cuidado, para que ele atenda ao município em sua totalidade. Ele não é fechado e definitivo, mas se a gente construir um Plano com muito cuidado, carinho e visão, a gente tem muitas chances de que Belo Horizonte seja, assim como ela já é em diversos campos, uma referência na questão do envelhecimento.
VC: Existe diversidade dentro do grupo de idosos que participam da construção das políticas públicas?
RM: Isso é um ponto fundamental. O próprio Conselho Municipal do Idoso aprovou um projeto que vai fazer um mapeamento da população LGBT idosa. Como é o envelhecimento dessa população? Como ela tem envelhecido no município? E eles estão participando da construção do Plano com a gente.
Nessa construção, estamos sendo coordenados pela DPEI, e criamos um GT com representações retiradas do Conselho da Pessoa Idosa, porque no Conselho a gente já tem todas as políticas referendadas. Assim, as pessoas idosas participantes no CMI são a referência das nove regionais. Temos na participação o idoso que mora na Regional Centro-Sul, no Barreiro, em Venda Nova… cada um trazendo sua realidade. Para isso, temos o Fórum.
Além do Fórum Ampliado, no qual trabalhamos as nove regionais juntas, temos os Fóruns Regionais. Regionalmente, a diversidade é discutida, e a gente tem mapeado como é a realidade de cada região e bairro. Então, a gente consegue ver que, por exemplo, dentro da Regional Pampulha, o envelhecimento é diferente do que acontece dentro da Regional Norte. A gente não pode trabalhar com um público único, temos que trabalhar com todas essas velhices.
VC: Qual a BH que você sonha e trabalha para as pessoas idosas viverem?
RM: A cidade que a gente deseja e que a gente está trabalhando para isso é aquela cidade onde as pessoas têm voz, onde as pessoas mais fragilizadas também possam exercer a cogestão dessa política pública.
Em termos práticos, uma cidade amiga da pessoa idosa precisa adaptar as suas estruturas e os seus serviços para que eles sejam acessíveis e promovam a inclusão de todas as pessoas idosas. Mas, principalmente, as mudanças no urbanismo e na mobilidade urbana, para que a gente possa ter acesso às condições básicas de moradia, saneamento, saúde, educação, emprego e participação. Outra coisa importante é a acessibilidade digital. Isso é imprescindível para a população idosa, vimos isso com a pandemia.
Precisamos reconhecer as demandas na elaboração das políticas, porque é isso que vai impactar positivamente no envelhecimento que a gente quer ter, na cidade que eu quero envelhecer. Essa construção vai depender muito do engajamento de todo mundo. A gente trabalha - Poder Público, Sociedade Civil Organizada, cada indivíduo - por uma cidade construída por todos, que será um lugar de convivência mais fácil, mais confortável e mais seguro. E eu acho que esse sonho certamente vai estar ao nosso alcance se a gente, juntos, somar. Se os nossos esforços, a nossa valorização e o nosso fortalecimento for junto nessa cogestão.
Esse e outros conteúdos você encontra na 18ª edição da Revista Valor Compartilhado. Confira: Revista Valor Compartilhado.