Por: Luiz Carlos Dias
A Anvisa aprovou a ampliação do uso da vacina de RNA mensageiro Comirnaty, da Pfizer/BioNTech, para imunização de crianças de 5 a 11 anos de idade contra a Covid-19 no dia 16 de dezembro de 2021, e o uso emergencial da vacina inativada CoronaVac em crianças e adolescentes de 6 a 17 anos, no dia 20 de janeiro de 2022. A CoronaVac não foi recomendada para crianças imunossuprimidas, que devem tomar a vacina da Pfizer.
O Brasil iniciou a vacinação de crianças de 5 a 11 anos apenas no dia 14 de janeiro de 2022. O Ministério da Saúde incluiu as vacinas pediátricas autorizadas pela Anvisa no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação (PNO) contra a Covid-19, mas não no Programa Nacional de Imunização (PNI), em que entrariam no calendário básico de vacinação das crianças. Por esse motivo, a pasta defende a não obrigatoriedade e que essa medida não fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), onde consta que a vacinação seria obrigatória quando recomendada pelas autoridades sanitárias. As crianças estão em processo de formação, e incentivar a vacinação tem um caráter educativo e pedagógico.
Vacinas não são experimentais
As vacinas foram aprovadas como eficazes e seguras por todos os principais órgãos reguladores internacionais e com opinião favorável de todas as sociedades médicas brasileiras. Uma vez aprovadas pelas agências reguladoras, as vacinas deixam de ser experimentais e continuam sendo monitoradas na fase de farmacovigilância, após aplicação em milhões de crianças em vários países. As vacinas são investigadas com muito rigor e as duas vacinas pediátricas aprovadas pela Anvisa são seguras e efetivas quando aplicadas em seres humanos e comprovadamente evitam casos graves, hospitalizações e óbitos.
Movimento antivacinas
A prioridade no início da pandemia era vacinar os grupos mais vulneráveis, como idosos, imunossuprimidos e com comorbidades, que, quando infectados, têm os piores desfechos. Como hoje esses grupos estão mais protegidos, é fundamental vacinar as crianças. Desde a aprovação pela Anvisa, nós estamos sendo bombardeados com a difusão de notícias falsas e teorias da conspiração com o objetivo de boicotar a vacinação infantil. O movimento antivacinas teve um crescimento assustador no período da pandemia. Apesar de não ser um movimento contra as principais vacinas do calendário infantil e ser mais localizado nas vacinas contra a Covid-19, pode levar a perdas irreparáveis em futuras campanhas de vacinação em massa. Nós precisamos superar os discursos negacionistas e combater o movimento antivacinas e uma das maiores campanhas de desinformação da nossa história. Nós não podemos correr riscos de perder décadas de progresso no combate a doenças que podem ser prevenidas por vacinas. Essas notícias mentirosas provocam medo e incerteza sobre a eficácia e a segurança das vacinas e levam à resistência dos pais e responsáveis. O brasileiro sempre aderiu às campanhas de vacinação e certamente isso foi preponderante para a boa adesão da população às vacinas contra a Covid. O PNI tem enorme capilaridade e é um exemplo para os países com mais de 100 milhões de habitantes. Nós temos que aproveitar a tradição e o legado do país em vacinar e precisamos levar informação correta para a sociedade brasileira, salientando a segurança e a eficácia e que os benefícios da vacinação contra a Covid superam muito os eventuais riscos. Nós temos vacinas efetivas contra a Covid-19, mas não temos vacinas informacionais contra o vírus da desinformação e das fake news.
Baixa adesão e heterogeneidade na vacinação contra a Covid-19
Existe uma grande heterogeneidade regional no país, indicativo de que a vulnerabilidade social tem impacto determinante na vacinação infantil. Em virtude das enormes desigualdades sociais, nós temos grandes diferenças na cobertura vacinal, que é maior nos estados com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e melhores indicadores de renda e de condições de atenção primária. Claramente, faltaram campanhas de comunicação para conscientização e esclarecimento da população brasileira por parte do Ministério da Saúde, que deveria encarar a imunização como uma prioridade, estimulando os pais a aderirem à vacinação de seus filhos contra a Covid-19. É fundamental aumentar a cobertura vacinal para evitar que o vírus se espalhe nos bolsões de crianças não vacinadas. Enquanto houver pessoas não vacinadas, é grande o risco do vírus Sars-CoV-2 se propagar e surgirem novas variantes, que podem ser mais perigosas para nossas crianças.
As principais campanhas de imunização infantil tiveram uma redução considerável em termos de adesão e, desde 2015, o Brasil não consegue atingir as metas de cobertura das vacinas infantis. Há alguns anos, nem se cogitava o surgimento dos grupos antivacinas, então não podemos atribuir todo o problema a isso. Há diferentes razões para a queda na vacinação, entre elas, políticas, religiosas, falta de acesso às vacinas, além de que as vacinas podem estar sendo vítimas do próprio sucesso. As vacinas são tão eficientes em controlar doenças que muita gente acredita que essas doenças não existem mais e acabam não vacinando seus filhos. As vacinas salvam milhões de vidas e erradicam ou mantêm doenças sob controle. A varíola foi erradicada graças a uma vacina e doenças como sarampo e rubéola vinham sendo controladas devido às campanhas de imunização em massa. Com a queda na cobertura vacinal, o Brasil viveu um surto de sarampo em 2018 e perdeu o certificado internacional de erradicação da doença. Nós estamos aqui graças às vacinas, alimentação, antibióticos, saneamento básico, esgoto tratado e água potável – nossas melhores ferramentas de saúde pública.
Temos que temer o vírus que mata e causa sequelas
A Covid-19 é muito perigosa, mata mais que todas as outras doenças preveníveis por vacinas, juntas. Crianças podem ser infectadas pelo vírus, podem precisar de hospitalização, ter casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), apresentar Covid longa, podem ter transtornos psiquiátricos e sequelas respiratórias, neurológicas e cardiovasculares irreversíveis, podem transmitir o vírus para outras pessoas com comorbidades que moram no mesmo lar e crianças podem morrer.
Precisamos vacinar mais rapidamente
Quanto maior o número de crianças imunizadas, maior será a proteção das crianças que não podem ser vacinadas e maior será a proteção de toda a população. E precisamos defender a adoção de medidas e ações de esclarecimento da sociedade que traduzam os enormes benefícios individuais e coletivos da vacinação. Não é verdade que o risco de efeitos adversos das vacinas seja alto para crianças e adolescentes. São raros os casos de efeitos adversos e, em sua maioria, são eventos leves que não levam a hospitalizações, a problemas de longo prazo ou ao óbito. Os defensores das teorias da conspiração também espalham que as vacinas estão causando miocardite em crianças e adolescentes. Autoridades de saúde do mundo inteiro defendem que o risco de miocardite causada pela infecção com o vírus selvagem é muitas vezes maior do que o associado à vacina.
A pandemia de Covid-19 ainda não acabou, a variante ômicron é muito transmissível e levou a um aumento na quantidade de crianças infectadas e hospitalizadas. O percentual de casos mais graves é maior entre os não vacinados ou imunizados parcialmente com uma dose. A população brasileira precisa entender os riscos de não vacinar nossas crianças contra a Covid-19, deixando-as expostas ao vírus. Nós precisamos de um grande número de vacinados para diminuir a disseminação e espalhamento do vírus, protegendo quem não pode se vacinar, independentemente do motivo. As vacinas não evitam a infecção, mas caso sejam infectadas, pessoas vacinadas têm casos mais leves, têm mais chance de não precisar de hospitalização, de internação em UTI e de não evoluir para óbito. O vírus sofre menos mutações em pessoas vacinadas. Vacinados se curam mais rapidamente e têm mais chances de não ter Covid longa e sequelas irreversíveis. A vacinação hoje é considerada prioridade para o controle da pandemia, mas as medidas não farmacológicas continuam sendo importantes. O distanciamento físico e o uso de máscaras, evitando locais fechados e com pouca ventilação são importantes meios de redução da exposição e infecção pelo vírus. É essencial acelerar rapidamente a aplicação da dose de reforço para a população acima de 18 anos e a vacinação de crianças, colocando em prática estratégias de busca ativa por pessoas que ainda não iniciaram ou não completaram seus esquemas vacinais, fazer campanhas nacionais de conscientização da sociedade, incentivando a vacinação, e reforçar os benefícios das medidas não farmacológicas.
Vacinas protegem
O objetivo da primeira geração de imunizantes contra a Covid-19 nunca foi prevenir a infecção pelo coronavírus, mas evitar que o quadro evoluísse para as formas mais graves da doença. A ômicron diminui a eficácia das vacinas e infecta quem já teve Covid e se recuperou. As pessoas com duas doses do imunizante permanecem protegidas e uma dose de reforço melhora drasticamente a proteção. Apesar de ainda não impedir a infecção, as vacinas estão funcionando para prevenir hospitalizações e óbitos. A ômicron aumenta o número de infectados, como temos muitas pessoas vacinadas, elas também podem ser infectadas, mas o aumento de casos graves e óbitos está ocorrendo em não vacinados. Com essa variante, basta uma pequena quantidade de vírus no ar para infectar as pessoas próximas. As pessoas que foram infectadas previamente e que tomaram vacinas posteriormente desenvolvem uma resposta imune potente e duradoura maior do que pessoas somente infectadas. Nós estamos vencendo os antivacinas e o vírus em um momento de total flexibilização no uso das medidas não farmacológicas, em que só as vacinas estão segurando as pontas. Vamos ouvir o desejo de nossas crianças: elas querem ser vacinadas contra a Covid-19!**
*Luiz Carlos Dias é Professor Titular da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências, membro Titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da Unicamp no combate à Covid-19.
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